Na pessoa do Senhor Presidente da Anafre cumprimento os Órgãos Diretivos e a Mesa
Caros colegas autarcas e convidados:
No início de novos mandatos, a maior parte das freguesias enfrenta problemas antigos, mas também processos novos e exigentes que condicionam a nossa atividade.
O papel atribuído ao Presidente da Junta de Freguesia é dos mais exigentes no nosso panorama político e nem sempre devidamente reconhecido. Desde logo porque não existem “filtros” nem outras estruturas de mediação na relação autarca/cidadão.
Cidadão que exige das Juntas de Freguesia um imediatismo na resposta que não exige junto de outras instituições, mesmo quando estão em causa tarefas da competência de outros setores do Estado. Além das atribuições legalmente cometidas às Juntas de Freguesia pede-se que, em muitos casos, substituam o Estado em muitas áreas, – veja-se como exemplo nas justificações administrativas ou nos múltiplos atestados de que o cidadão precisa, na maioria das vezes por puro comodismo dos organismos da administração central.
Dos problemas de sempre destaco os que têm a ver com os constrangimentos de recursos financeiros, mas sobretudo de recursos humanos para o acompanhamento jurídico, legal, técnico e financeiro da atividade da junta. Reforço a dificuldade que a maior parte de nós tem no preenchimento e apresentação de candidaturas a fundos nacionais e eventualmente europeus até porque (ao que sei) os formulários não estão adaptados ao sistema contabilístico das JF, no caso ao SNC AP.
As freguesias continuam a ser discriminadas negativamente no acesso aos Fundos Comunitários e Programas Nacionais. Mas quem melhor que nós para implantar verdadeiras políticas de coesão territorial e de valorização do interior do país? Não teremos nós aprendido nada com a recente crise sanitária provocada pelos SARS-Cov-2?
As Freguesias devem poder ter meios para concretizar políticas públicas de proximidade, desenhadas para a especificidade dos microterritórios e, dessa forma, apostar e conseguirmos um desenvolvimento sustentável.
Até quando se perpetuará esta situação?
Esta dificuldade estende – se também à necessidade de contratação de arquitetos, engenheiros, juristas e demais especialistas para a devida salvaguarda das decisões tomadas pelo executivo.
As freguesias da dimensão da Freguesia de Lousã Vilarinho têm mais necessidade de pessoal operacional, “de terreno”, mas poderemos fazer mais se estivermos mais capacitados. A mais valia da formação já disponível é inquestionável, mas o universo de autarcas de freguesia é tão díspar que é quase como se diz: cada caso é um caso! Resulta do que disse a consciência que temos que estar atentos a muitos saberes e saber fazer!
Mas é sobre os novos desafios que quero deixar o meu testemunho.
Assumimos a transferência de algumas competências do município para a freguesia pelo que lidamos agora com um conjunto de tarefas que estamos a começar a desempenhar. E muito bem! Não há medo de assumir responsabilidades e conhecemos o nosso território palmo a palmo. Mas o valor que acompanha a transferência de competências não devia depender da boa vontade do Presidente da Câmara e da capacidade de negociar do Presidente da Junta. É um caminho que temos que fazer em conjunto, um caminho árduo, até porque os baixos níveis de financiamento das autarquias levam à existência de resistências em aceitar transferir para as freguesias competências que estas “já executam”, pelo facto de estas significarem uma redução do orçamento dos municípios. A opção por um processo (processo é a palavra chave!) de negociação, aberto e total, significa que são criadas condições para servir melhor os cidadãos e permite, igualmente, melhorar o que houver a melhorar, de acordo com o princípio da subsidiariedade, da boa gestão dos recursos e da proximidade que tem de significar que serão executadas as melhores políticas para as populações.
Ora, salvo melhor opinião, a Lei deve prever chaves de imputação para os valores a transferir. De outra forma a desigualdade das partes não permite uma contratualização séria e que tenha como fim último a melhoria do serviço público às nossas comunidades.
Mas há também que agilizar os procedimentos para corrigir os erros da agregação de freguesias realizada em 2012.
E não se vislumbra como adequada a figura das comissões instaladoras nestes casos, em especial o limite temporal de 6 meses para as mesmas.
Para não correr o risco de retrocesso na reparação destes erros, não sugiro a realização de eleições intercalares para a freguesia desagregada de forma a que ela possa ser instalada e exercer funções em 2023 e 2024.
Considero que, nestas situações de desagregação, elas poderão ser empossadas e gerir os territórios num período mais alargado do que os seis meses referidos na lei.
Uma outra necessidade é a de clarificar a aplicação da lei da paridade na eleição dos executivos das freguesias, em que o que deve contar é a totalidade do órgão constituído e não a aplicação parcial aos vogais.
Como mulher e cidadã, considero que a interpretação feita pelas entidades oficiais é inconstitucional e atenta contra o espírito de igualdade de género que se pretende.
Eis um exemplo, num executivo de três elementos, sendo o Presidente um Homem porque razão não poderão ser eleitas duas mulheres como vogais. Ou sendo o Presidente uma mulher serem eleitos dois vogais do sexo masculino?
Não faz sentido.
Em resumo, as Freguesias são muito mais do que meros entes da organização territorial, política ou administrativa do País.
São, na maioria das vezes, o que resta da presença do Estado. E esta presença exige maior respeito por parte do Poder Central, em particular nos territórios de baixa densidade como o nosso continua a ser. Mas exige-se também um outro olhar, e outro atuar, por parte dos Municípios
A coesão territorial não pode ser mero chavão, visto na perspetiva regional ou municipal. Exige-se hoje que se reconheça, para se poder atuar, que é urgente uma atuação que corrija as assimetrias e potencie o desenvolvimento ao nível da infra municipalidade. Não o reconhecer é apostar no perpetuar de erros na aplicação das políticas públicas, como elas devem ser aplicadas, ou seja, segundo o princípio da subsidiariedade, também ao nível dos municípios.
Apostar numa política de governança é também isso.
Não esquecemos que o conceito de resiliência comunitária obriga a decisões de “baixo para cima” e não de “cima para baixo”. São as pessoas, os homens e as mulheres de cada comunidade que participam no processo de gestão do seu território, na construção de uma comunidade mais inclusiva, sustentável e com uma atuação política baseada na Declaração de Princípios, aprovada pelas Nações Unidas em 1995, na qual afirma que “as exigências éticas e o compromisso permanente com as gerações futuras” têm de ser “a base de todos os comportamentos humanos” logo também no campo político.
Princípios que valem para todos nós, individual e coletivamente. E que não podemos, hoje mais do que nunca, mais do que a minha geração viveu ou tem memória, esquecer.
Pela paz no mundo.
Vivam as freguesias!
Helena Correia
XVIII Congresso da Anafre, Braga